Fundamentos metodológicos
O objetivo do banco de dados INDIGEO é fornecer uma avaliação retrospectiva da produção geográfica relativa ao tratamento da questão indígena.
Alcançar esse objetivo envolve a realização de uma pesquisa bibliográfica abrangente para identificar todos os trabalhos publicados em geografia sobre a questão indígena nas diferentes regiões do mundo e em diferentes línguas. Visando na medida do possível a exaustividade, esta avaliação permitirá fornecer elementos de resposta a questões de alcance epistemológico, tais como:
- Qual é o interesse atribuído pelos geógrafos aos povos indígenas das diferentes regiões do mundo?
- Como este interesse é expresso e quais são suas origens?
- Como, além disso, evoluiu ao longo da história da disciplina?
- Podemos considerar hoje que as geografias indígenas constituem um campo de pesquisa completo?
Embora o desejo de tender à exaustividade possa parecer ambicioso, o fato é que apenas uma visão de conjunto da produção geográfica sobre a questão indígena pode nos permitir apreciá-la em toda a sua dimensão. É por isso que é necessário um enquadramento metodológico, a fim de marcar claramente o caminho a seguir e posicionar o mais exatamente possível no campo da geografia o interesse consagrado aos povos indígenas, tendo em vista sua história e seu desenvolvimento como disciplina universitária.
Seria ilusório e desnecessário querer referenciar absolutamente todos os trabalhos produzidos em todos os formatos (teses, livros, artigos, anais de congressos, etc.), em diferentes épocas e em todos os contextos culturais, linguísticos, regionais, etc. No entanto, deve-se propor a seleção mais representativa possível, com base em critérios que aliem a consideração de uma massa crítica consistente e fiel à evolução e diversidade dos trabalhos produzidos, à acessibilidade das fontes e aos imperativos epistemológicos de tal empresa. Certas fontes devem, portanto, ser privilegiadas, e as mais apropriadas parecem ser indiscutivelmente os artigos de revistas científicas.
Deve-se notar, em primeiro lugar, que as revistas historicamente expressaram –ao mesmo tempo em que permitiram e acompanharam– a instalação e o desenvolvimento das disciplinas na universidade. Por outro lado, o surgimento de novas revistas em um campo disciplinar já estabelecido e reconhecido pode muitas vezes refletir o surgimento de novos paradigmas ou grandes encruzilhadas da disciplina e, a minima, de sensibilidades novas e diversas dentro da disciplina. Então, retraçar a história das revistas é em parte traçar a história de uma disciplina ou, pelo menos, a de seu reconhecimento no campo acadêmico formal. Qual é o lugar da questão dos povos indígenas nesta história? Desde quando e em que contexto(s) os geógrafos se interessaram pela questão indígena? Em que revistas publicaram então seus trabalhos?
Determinar o interesse dos geógrafos pela questão indígena através de artigos publicados em revistas científicas parece permitir responder ao imperativo epistemológico da pesquisa proposta. Essa abordagem deve, por exemplo, permitir a identificação de possíveis afinidades de acordo com ramos disciplinares específicos (geografia cultural, geografia política, etc.) ou, pelo menos, distinguir diferentes formas de considerar e tratar a questão dos povos indígenas na geografia. Dado que as revistas são lugares de intercâmbio e debate em que a evolução e a direção de uma disciplina são realizadas, pelo menos em parte, parece relevante ver que lugar ocuparam nelas até hoje os povos indígenas e suas problemáticas. Além disso, não se deve perder de vista que a publicação de um artigo é decorrente de um processo de avaliação e validação por pares que traduz de certa forma sua “aceitabilidade” pela comunidade científica. Assim, referenciar os artigos publicados em revistas científicas no campo das geografias indígenas equivale a avaliar o reconhecimento da questão indígena como objeto geográfico. A publicação de artigos sendo, por outro lado, o modo privilegiado de comunicação científica, qualquer corpus formado nesta base deve potencialmente poder refletir a diversidade e a evolução das abordagens geográficas para a questão indígena.
Finalmente, vale mencionar também um aspecto altamente pragmático, mas longe de ser insignificante, relacionado à acessibilidade das fontes. Por definição, uma revista é uma publicação periódica cujos diferentes volumes constituem uma coleção mais facilmente identificável que as produções pontuais, como livros (ou capítulos de livros), teses ou anais de congressos. Embora a busca de elementos pontuais cuja existência não é a priori conhecida possa ser bastante aleatória, as coleções representadas pelas revistas fornecem um quadro no qual um censo sistemático e exaustivo pode ser previsto, o qual é facilitado pela colocação em linha da maioria das revistas, acompanhada da digitalização dos volumes antigos.
Delimitar assim o horizonte, excluindo de facto outras formas de produção científica, pode parecer arbitrário, mas é inegavelmente o melhor compromisso tanto do ponto de vista do interesse epistemológico do projeto quanto de sua viabilidade e da necessária constituição de um corpus consequente, que possa refletir a diversidade e a evolução das abordagens geográficas da questão indígena.
A primeira questão a ser resolvida é, naturalmente, poder determinar quais revistas devem ser lidas e constituir o objeto de uma revisão sistemática. Uma dificuldade metodológica surge desde o início, na medida em que cada autor não publica necessariamente ou exclusivamente seus trabalhos em revistas relativas ao seu campo disciplinar. É o caso dos geógrafos que, além de publicarem seus artigos em revistas de geografia, também se voltam frequentemente para outras revistas que se definem como inter ou multidisciplinares. A consideração dessa realidade torna o espectro de possibilidades extremamente amplo. Então, novamente, tem que se limitar o horizonte por uma questão de viabilidade.
Se escolhas tiverem que ser feitas, a revisão sistemática das revistas de geografia, ou seja, aquelas direta e explicitamente dentro do campo disciplinar, permanece inevitável. Por “revistas de geografia”, entendemos aquelas cuja publicação é realizada por uma autoridade que se reivindica do campo da geografia (associação, sociedade, departamento, instituto, etc.), isto em todo o mundo. Surge então outra dificuldade, vinculada à identificação de todos os títulos em causa, a qual pode ser superada com o uso dos diversos sistemas de indexação de revistas cuja consulta cruzada permite constituir um corpus-alvo. Seis sistemas principais de indexação de âmbito internacional foram consultados e utilizados:
- Directory of Open Access Journals (DOAJ)
- Index Copernicus International (ICI)
- International Scientific Indexing (Web of Science)
- Scielo
- Scimago Journal & Country Rank (SJR)
- Scopus (Elsevier)
A lista criada nesta base foi completada depois pelo uso de vários outros sistemas de indexação específicos a cada país, como o estabelecido na França pelo HCERES ou CAPES no Brasil. Além disso, várias plataformas de hospedagem de revistas, de acesso livre ou restrito, foram consultadas:
- Dialnet
- Elsevier
- Erudit
- JSTOR
- OpenEdition Journals
- Persée
- Project MUSE
- Redalyc
- Sage
- Springer
- Taylor & Francis
- Wiley
Enfim, para concluir o trabalho de recensão, também foi consultado o banco de dados de revistas da União Geográfica Internacional (Journals Project), que visa repertoriar todas as revistas que possam ser de interesse da comunidade geográfica na escala internacional.
Mas, na medida em que esses diferentes recursos ultrapassam o estrito quadro das “revistas de geografia”, um filtro teve que ser estabelecido para reter apenas títulos exclusivamente dentro do campo disciplinar, como explicado acima. As revistas inter ou multidisciplinares que poderiam ser de interesse da comunidade geográfica foram, portanto, deliberadamente excluídas nesta primeira fase de recensão, o que reduziu significativamente o número de títulos em causa, para reter apenas o essencial.
Uma vez estabelecida a lista de títulos a serem minuciosamente revisados, os artigos alvo foram identificados e coletados usando uma série de termos-chave nos motores de busca dos websites de cada uma das revistas identificadas, ou consultando as tabelas decenais para revistas que não estão disponíveis online ou apenas parcialmente. Esta pesquisa por termos-chave foi aplicada aos títulos, resumos e palavras-chave dos artigos publicados. Na ausência de resumos e palavras-chave para avaliar o conteúdo de um artigo, a discriminação foi estabelecida a partir do título e da leitura da introdução do artigo.
Esta pesquisa por termos-chave foi realizada na língua principal de publicação da revista em questão, dentro dos limites das quatro línguas conhecidas e dominadas em diferentes graus pelo autor do banco de dados, ou seja, francês, inglês, espanhol e português. No caso de revistas publicadas em outras línguas, como alemão ou russo por exemplo, a pesquisa foi realizada em inglês, tendo em conta o fato de que a maioria das revistas oferece cada vez mais sistematicamente uma tradução em inglês do título, resumo e palavras-chave dos artigos que publicam.
Os termos usados para sondar artigos alvo foram primeiro os mais comumente usados na língua de origem para se referir à questão indígena. Por exemplo, em inglês, os termos Indigenous, indigeneity, Aboriginal e aboriginality foram usados para filtrar os artigos alvo. Em seguida, em uma segunda fase, outros termos mais específicos aos contextos de publicação das revistas analisadas também foram utilizados para refinar a busca por artigos alvo. Em inglês, ainda, isto se concretiza por exemplo pelo uso do etnônimo Maori em revistas neozelandesas, ou na expressão de small people nas revistas russas, assim como naquelas especificamente interessadas pelos espaços nórdicos. Termos ou denominações que caíram em desuso, como o etnônimo Esquimó, que foi suplantado por Inuíte, também foram às vezes aplicados, a fim de localizar artigos mais antigos no caso de revistas existentes desde há muito tempo.
Por fim, também é importante notar que apenas artigos avaliados pelos pares foram efetivamente selecionados, enquanto notas de pesquisa, comentários e outros tipos de publicações que não atendiam a este requisito de avaliação foram excluídos. Além do fato de que tal critério é uma referência comum permitindo reunir em um mesmo banco de dados elementos publicados em diferentes revistas, idiomas e datas, por autores que trabalharam em regiões e contextos de grande diversidade, este constitui também uma forma de validação dos conteúdos publicados. Os artigos recenseados são, em suma, comparáveis nesta base.
O corpus assim criado foi então analisado através do prisma da formação acadêmica e do perfil dos autores de cada um dos artigos coletados. A discriminação foi então feita entre geógrafos e não geógrafos, a fim de estender o perímetro de pesquisa a trabalhos publicados por geógrafos em revistas fora de seu campo disciplinar. No caso de artigos redigidos por vários autores, apenas o primeiro autor foi considerado. Com esta base, a ampliação do perímetro da pesquisa buscou avaliar o potencial de abertura e a capacidade das geografias indígenas de alimentar e se alimentar de debates na encruzilhada de uma pluralidade de abordagens e disciplinas.
Para este efeito, foi realizada uma pesquisa biográfica de cada um dos autores dos artigos selecionados utilizando as informações disponíveis em suas páginas institucionais, bem como nas contas das duas redes sociais acadêmicas Academia e ResearchGate e da rede profissional LinkedIn que eles podem possivelmente utilizar. Foram então excluídos indivíduos sem formação em geografia e apenas seus artigos publicados em revistas de geografia foram retidos. Por outro lado, aqueles com pelo menos um diploma, independentemente do nível de formação, emitido por uma instituição de ensino superior que reivindica explicitamente a geografia, foram amplamente pesquisados quanto a suas publicações. Para pessoas que tiveram formação multidisciplinar com, por exemplo, formação inicial em história ou antropologia, e depois um segundo ciclo e/ou doutorado em geografia, somente os trabalhos publicados a partir de sua pós-graduação foram considerados.
A busca exaustiva das publicações dos autores selecionados, sempre limitada a artigos avaliados por pares e filtrados de acordo com os mesmos critérios indicados para a Etapa 2, foi efetuada a partir das páginas institucionais previamente consultadas e dos trabalhos referenciados nas contas Academia e ResearchGate. Mas na medida em que nem todos os autores dispõem necessariamente destes espaços, e não os investem da mesma forma, a pesquisa foi sistematicamente estendida ao Google Scholar que, salvo raras exceções, lista todas as publicações do mesmo autor. São informações cruzadas a partir destas diferentes fontes que permitiram impulsionar a pesquisa bibliográfica para além do campo da geografia, medindo assim o potencial interdisciplinar das geografias indígenas.
Os artigos coletados através das etapas anteriores foram então reunidos em um único arquivo, sob Excel, na forma de um banco de dados que pode ser organizado alternativamente segundo diferentes critérios. Cada referência de artigo é primeiramente decomposta em uma série de entradas básicas, incluindo sucessivamente o(s) nome(s) do(s) autor(es), o título do artigo, o nome e o número da revista e a data de publicação. Essas entradas chamadas “básicas” foram complementadas depois por uma série de critérios secundários que também permitem classificar os artigos por língua da publicação, regiões geográficas e temas de interesse. Estes dois últimos critérios merecem algum esclarecimento adicional:
- Os artigos identificados foram classificados de acordo com 6 grandes regiões geográficas, modeladas com algumas mudanças nas 7 entidades socioculturais selecionadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para representação indígena no Fórum permanente sobre questões indígenas: (1) África e Oriente Médio; (2) América do Norte; (3) América Latina e Caribe; (4) Ásia; (5) Ártico e Subártico; (6) Oceania e Pacífico. A regionalização proposta pela ONU também define uma sétima entidade que reúne a Federação Russa (fora do Ártico), os Estados da Europa Central e Oriental, Ásia Central e Transcaucásia. No banco de dados INDIGEO, esta sétima região foi incorporada à região da Ásia, assim definida sobre bases geográficas amplas. A outra mudança a ser relatada diz respeito aos chamados países do Oriente “Próximo” e “Médio”. Embora a ONU os inclua na região da Ásia, eles foram agrupados no banco de dados INDIGEO com os países africanos, na medida em que mantém mais vínculos, especialmente culturais, com os países do Magreb com os quais constituem esse conjunto comumente identificado como o “mundo árabe”. Por fim, também é importante notar que os artigos que assumem a forma de ensaios, sem referência a um país ou região específica, ou ao contrário mobilizam uma pluralidade de estudos de casos relativos a diferentes regiões entre as previamente identificadas, foram classificados como “Transregionais”.
- Os artigos identificados também foram categorizados de acordo com uma lista de grandes temas que, em número de 27, varrem a diversidade de abordagens e questões levantadas por autores interessados nas realidades geográficas dos povos indígenas em diferentes regiões do mundo. Estas grandes temáticas, o número e o conteúdo das quais foram ajustados à medida que os resumos dos artigos revisados foram lidos, abrangem campos relativamente amplos que poderiam ser facilmente divididos em uma série de subtemáticas mais específicas. Tal como se apresentam, elas têm, no entanto, a vantagem de identificar problemáticas de fundo, recorrentes e estruturais, bem como certas tendências e dinâmicas mais ou menos recentes, ao mesmo tempo em que nos permitem visualizar a maneira como evoluiu ao longo do tempo o interesse da comunidade geográfica pelos povos indígenas.
Associada ao trabalho de recensão do conjunto das revistas de geografia, a pesquisa exaustiva das publicações de cada autor é um longo empreendimento que inevitavelmente foi desenvolvido durante vários anos. No entanto, a possibilidade de estabelecer uma primeira avaliação abrangente, coerente e explorável do banco de dados implica interromper a busca na mesma data teórica, tanto para cada autor como para cada uma das revistas do âmbito definido. Para isso, uma vigília bibliográfica foi implementada, a fim de coletar, a partir da data da avaliação inicial específica realizada para cada autor e cada revista, quaisquer novas publicações incluídas no âmbito do campo de investigação.
Esse trabalho de atualização constante foi facilitado pela implementação de alertas automáticos do Google Scholar e dos websites das revistas que oferecem esse serviço, permitindo acompanhar a atividade tanto de autores identificados como de revistas-alvo. Com verificações periódicas das contas Academia e Researchgate dos autores e dos websites das revistas de geografia que não oferecem tal serviço de alerta, este dispositivo também é útil e relevante para as necessidades contínuas de atualização e desenvolvimento do banco de dados, que pretende então ser “vivo”. Desta forma, a vigília bibliográfica implementada também visa identificar o surgimento de determinadas dinâmicas ou possíveis tendências, tanto em termos da dimensão espacial das realidades enfrentadas pelos povos indígenas no mundo quanto da atenção que a comunidade científica pode lhes consagrar e como pode, ou não, as assumir.